A água é um recurso de múltiplos usos econômicos/produtivos e essencial para a vida. Essa diversidade, por vezes revela-se como elemento gerador de conflitos agravados pela natural irregularidade na disposição quali-quantitativa da água. Em reconhecimento a sua essencialidade, a gestão dos recursos hídricos, pautada na Lei 9.433/97, busca criar ferramentas para a administração dos distintos interesses de forma a assegurar em caráter preventivo e propositivo a sustentabilidade e eficiência no uso da água.
Entre os instrumentos de gestão estabelecidos pela Lei de 1997 insere-se a cobrança pelo uso da água bruta. Sua aplicação objetiva principalmente a arrecadação de recursos financeiros que auxiliem na viabilização de melhorias ao corpo hídrico utilizado, bem como a promoção da racionalidade do uso atrelado a um valor que até então não é cobrado pela maioria dos comitês de bacias hidrográficas brasileiras.
No Brasil, até março de 2019, seis bacias Federais tinham implementado o instrumento de cobrança pelo uso da água. Como resultado a água passa a se configurar como um novo item de custo, impactando sobre seus usuários em maior ou menor grau e suscitando dúvidas quanto ao caráter público da água enquanto um bem econômico.
De acordo com dados de Conjuntura de Recursos Hídricos disponibilizados pela Agência Nacional de água – ANA, referente aos valores arrecadados por cada grupo usuário, o saneamento tem significativa participação no montante total arrecadado pelas bacias. No ano de 2017 o setor de saneamento representou mais de 80% do valor a arrecadação pela bacia do Rio São Francisco, acompanhado do comitê do Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí (84,9%) e do Rio Paraíba do Sul (68,7%).
No âmbito Estadual, a gestão referente aos recursos hídricos baseia-se na estrutura de domínio Federal. Tomando como base o Estado da Bahia, no qual está inserida a Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu – BHP, as atuais políticas de gerenciamento de recursos hídricos do Estado foram estabelecidas pela Lei nº 11.612 de 2009 e até o presente momento, estudos para implementação da cobrança na Bahia seguem em andamento, não existindo cobrança nos rios de domínio do Estado.
Contribuindo para os estudos de cobrança na Bahia, o trabalho simulou a cobrança na captação de água na Bacia Hidrográfica do Paraguaçu (BHP). Foi utilizada a metodologia implementada na Bacia do São Francisco (CBHSF) segundo Deliberação n° 40/2008 aprovada em 2010 e a mais recente metodologia revisada em 2017 conforme Deliberação nº 94, em vigor a partir de 1° de janeiro de 2019. Em se tratando da captação do setor de saneamento a nova fórmula de cobrança insere um parâmetro de eficiência determinado pelo indicador IN049 do Diagnóstico de Água e Esgoto do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, correspondente ao Índice de Perdas na Distribuição. O volume de captação utilizado na simulação foi relatado pela Embasa, prestadora responsável pelo serviço na região, equivalente a vazão outorgada pela empresa na BHP.
A diferença entre os resultados das simulações de 2010 e 2019 evidenciam uma redução no valor cobrado na metodologia mais recente, mostrando que a incorporação das perdas vai de encontro ao estímulo para racionalidade do uso da água. A partir dos montantes obtidos com a simulação, em um cenário sem repasse, em que a Embasa incorpora o valor da cobrança na sua estrutura de custos, foi possível identificar que os valores agravam o déficit já existente no serviço de abastecimento de água da empresa. No cenário com o repasse integral dos custos da cobrança na captação para o consumidor final, a variação percentual da tarifa é pouco significativa para o valor final cobrado na conta de água, desconsiderando a cobrança como indutora de um consumo consciente e racional.
O presente texto sintetiza resultados apresentados e discutidos na monografia de conclusão de curso de Karine Veiga dos Santos, pesquisadora do RHIOS, sob orientação da Profª Dra. Telma Teixeira.
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