O CUSTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DOS FENÔMENOS AMBIENTAIS

Maria era uma criança esperta, curiosa e saudavelmente ambiciosa. Filha de pequenos agricultores em região do semiárido, desde muito cedo ela aprendeu o significado do impacto da seca na sacola de compras que voltava do mercado e na diversidade de alimentos na mesa para as refeições. Educação financeira para ela era um instrumento de sobrevivência não apenas uma lição para formação de cidadãos-consumidores conscientes.

Inteligente e comunicativa Maria chamava atenção dos mais velhos em razão das suas frequentes perguntas sobre os mais distintos assuntos e assim, ganhou a simpatia do bondoso padre Filipo, um italiano recém-chegado que estudou em seminários em Roma e viajou por diversos países a trabalho pela Igreja. Percebendo as qualidades de Maria, ele de pronto aceitou quando ela pediu sua ajuda para aprender outros idiomas. Imaginava ele que a garota não teria a vontade e disciplina necessária, mas foi gratamente surpreendido com o empenho da garota que desistia de brincar com os amigos para aprender outras línguas. E assim, Maria aos 18 anos falava inglês, francês e italiano com fluência despertando seu interesse pelo jornalismo como profissão.

Maria foi morar em Salvador, em um bairro humilde e distante da faculdade de Comunicação, mas adequado a capacidade de pagamento dos seus pais. Já no quarto ano do curso, em um período de intensas chuvas, um barranco cedeu caindo por cima de um veículo, soterrando os dois passageiros, um casal de estrangeiros que pouco se comunicavam em português. O acidente, próximo à casa de Maria chamou a atenção dos moradores do bairro que prontamente se disponibilizaram a ajudar os bombeiros. Toda a comunicação para orientação do resgate só foi possível devido a presença da inteligente Maria. Como resultado, além da admiração de todos e dos novos amigos, Maria também foi convidada a trabalhar com os estrangeiros que se identificaram como jornalistas de uma grande emissora inglesa.

Maria então ganhou o mundo!. Primeiro ela trabalhou na Inglaterra e enfrentou bravamente o inverno londrino. Depois ela foi para o interior da França e reportou os incêndios de verão no sudoeste francês. Após a França, Maria conheceu a Itália do seu velho professor Filipo e sofreu o calor e a seca atípica que atingiu o país naquele ano. Maria observava vidas despedaçadas e o custo emocional e financeiro da lenta reconstrução das áreas atingidas.

A curiosidade de Maria e sua competência em diversos idiomas a levou à China, ao Japão e às Filipinas. Maria sobreviveu à terremotos e tsunamis. Após cada evento ela corria a procura de um telefone para tranquilizar seus aterrorizados pais que não conseguiam identificar a origem da coragem da filha. Depois da Europa e Ásia, Maria decidiu aceitar o convite da empresa para ser correspondente na América e assim viajou para Cuba onde passaria alguns anos, antes de seguir para os Estados Unidos.

Pensando ter superado todos os possíveis desafios, Maria com tristeza noticiou a chegada de uma violenta temporada de furacões que deixou casas arrasadas, cidades destruídas e pessoas desoladas. O violento furação seguiu pelo oceano atlântico e atingiu os Estados Unidos, com menor força, mas suficientemente arrasador. Dois anos depois, já morando nos Estados Unidos, Maria vê tudo se repetir: os tremores na Ásia, os incêndios na Europa e os furações no Atlântico. Cidades inteiras que ainda estavam em processo de reconstrução foram novamente apagadas do mapa pelas águas, pelos ventos ou pelos terremotos.

Maria decide então retornar à sua pequena vila no sertão nordestino. Depois de anos de ausência pouco tinha mudado. O sol ainda castigava plantas, pessoas e animais, ditando o ritmo do trabalho e cobrando um alto preço pelos poucos frutos que permitia germinar. Mas ao menos lá a terra não tremia, o vento soprava apenas o suficiente para rodar uma pá de moinho e a água, quando chegava, vinha com calma e era sofregamente absorvida pelo solo.

Os pais de Maria ficaram maravilhados e assustados com todas suas histórias, rogando para que a filha não mais se aventurasse por tais caminhos. O padre Filipo, agora já bem idoso, ouvindo o mesmo relato no dia seguinte, questionou:  E então Maria?  o que você aprendeu com tudo isso?.  Ela pensou por longos instantes antes de responder. E então falou:  Padre, no início era uma grande aventura. Sobreviver a tanto acidentes me fazia sentir como se estivesse praticando um esporte super radical. Mas eu comecei a perceber o rastro de destruição de todos aquele eventos e a tristeza que os mesmos deixavam para trás e passei a questionar até mesmo a justiça divina. Eu acreditava e ainda acredito e defendo que crimes ambientais como desmatamento, descaso no derramamento de óleo ou rompimento de barragens, devem ser severamente punidos. Contudo, eu não conseguia enxergar naqueles fenômenos um culpado a ser apontado. Mas então eu procurei mais informações e expandi o meu olhar. Aí, eu vi a relação entre o desmatamento e o furacão; entre o incêndio e a seca; entre a exploração humana e a reação da natureza. Talvez essa reação seja exagerada para alguns. Para outros pode ser até mesmo normal. Mas não é isso que importa. O que eu aprendi é que a madeira vendida da floresta desmatada não rende dinheiro suficiente para a reconstrução das casas destruídas pelo terremoto ou pelo furação. Eu aprendi que a riqueza gerada é cobrada com juros, mas não é nem mesmo suficiente para pagar o principal. Eu aprendi que talvez não sejamos culpados, mas somos sim corresponsáveis.

 

As experiências vividas por Maria lhe renderam lições e reflexões acerca do preço dos fenômenos naturais. Não apenas quanto a vidas perdidas, mas também quanto a riquezas destruídas. Em poucos segundos um tremor destrói edifícios, uma onda arrasa plantações e um vendaval levanta telhados. Dessa forma, contribuir para a maior estabilidade do clima, significa também uma forma de exercer a racionalidade econômica.(acesso aos textos em pdf)

Telma Teixeira - RHIOS 
 Outubro de 2017

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