(texto em resposta ao Em questão : “Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos“)
O ecossistema é a interação entre os seres bióticos e abióticos. Dentro desse sistema se encontra a água, um bem de uso comum necessário para a sobrevivência humana. Contudo, existem obstáculos em atender a demanda da sociedade aos usos dos rios, já que muitos deles percorrem por mais de um estado, gerando conflitos diversos entre os usuários. No processo de tomada de decisões pelos gestores muitas vezes são consideradas os aspectos econômicos e sociais em detrimento da questão ambiental, entretanto, de acordo a Constituição Federal/1988 Art.225, é dever do Poder Público, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
A escassez hídrica costuma desencadear conflitos de uso, principalmente quando se trata de bacias hidrográficas compartilhadas (AMORIM; RIBEIRO; BRAGA, 2016). A Agência Nacional de Águas (ANA) juntamente com os órgãos gestores estaduais de recursos hídricos, buscam solucionar conflitos dessa natureza em bacias Federais através de acordos com conjuntos de regras, denominado Marco Regulatório, para evitar maiores conflitos com a utilização desse recurso. De acordo com o art. 4º da Lei nº 9.433/97 nenhum Estado deve tomar decisão unilateral que prejudique a disponibilidade hídrica nos outros Estados. Assim, os gestores de recursos hídricos que enfrentam situações semelhantes, devem analisar as situações dos demais Estados em que o rio percorre, considerando o nível da vazão e a qualidade hídrica, bem como a eficiência no uso do recurso.
Quando um Estado considera a construção de uma barragem de reservatório de água para suprir as atividades econômicas de irrigação e pecuária, por um lado, há uma maximização dos seus benefícios sociais, como a ampliação da agricultura familiar, criação de empregos, diversificação de atividades, gerando renda e desenvolvimento para a população vigente. Porém é importante ponderar as externalidades negativas geradas ao meio ambiente a partir da interferência humana.
Considerando os impactos ao ecossistema, as alterações físicas dos rios leva uma redução dos benefícios obtidos a partir dele. É o caso da construção de uma barragem para reservatórios, que transforma gradativamente a qualidade da água e a composição das espécies nativas. De acordo com pesquisas realizadas pelo ecologista Rafael Baggio através da Universidade Federal do Paraná, a criação de barragens e consequentemente a alteração do curso dos rios, modifica a diversidade genética dos peixes de uma determinada região (CUBAS, 2018). Estes que costumam migrar através das correntes fluviais, quando impedidos de se movimentar por conta das barreiras correm o risco de extinção, provocando uma redução da biodiversidade aquática.
Ainda sobre os efeitos da interferência no curso dos rios, em relação à qualidade da água, existe uma tendência a maior salinização, alteração do nível de oxigênio, da temperatura, e da quantidade de gases dissolvidos, comprometendo assim as condições físicas. Além disso, envolve também o desaparecimento de vegetações terrestres e o aumento da biomassa de macrófitas. Consequentemente, esse processo contribui para uma diminuição do nível de todo o lençol freático e a sua jusante ficará ainda mais em risco, principalmente se já apresentar uma situação de baixa vazão.
Relatórios de Situação Hídrica tem apresentado nos últimos anos baixos índices pluviométricos e criticidade de reservatórios até então existentes em parte das bacias hidrográficas brasileiras, como na bacia hidrográfica rio São Francisco, o atendimento da demanda de outros estados em que o rio percorre, pode não ser totalmente efetivo. Um exemplo é a barragem de Sobradinho, localizada no estado da Bahia, que além de atividades de geração de energia, também tem significativa importância para o setor agrícola, porém uma análise publicada na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental concluiu uma diminuição gradativa dos índices de vazão da sua jusante, após a implementação desse sistema (MARTINS, et al, 2011).
A inclusão do ecossistema na gestão hídrica é imprescindível, uma vez que é o próprio que sustenta a vida humana. Contudo, saber o momento de intervir para uma importante tomada de decisão requer uma compreensão de todo os sistemas envolvidos, tantos ecológicos, como sociais e operacionais. Umas das vias para alocação deste recurso escasso em determinadas localidades, seria a distribuição uniforme e consciente entre os Estados, priorizando o abastecimento humano e a sua eficiência. No entanto, promover ações para a preservação como, a criação de programas de educação ambiental, conscientização ao uso da água, projetos de revitalização do rio e proteção hídrica são intermediários para estimular o equilíbrio das relações do meio ambiente.
Referências
CUBAS, João. Pesquisa aponta impactos de barragens em população de Pintado. Universidade Federal do Paraná, 9 de março de 2018. Disponível em: <https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/pesquisa-aponta-impactos-de-barragens-em-populacao-de-pintado/> Acesso em: 28 de ago de 2019
AMORIM, A. L.; RIBEIRO, M. M. R.; BRAGA, C. F. C. Conflitos em bacias hidrográficas compartilhadas: o caso da bacia do rio Piranhas-Açu/PB-RN. Revista Brasileira de Recursos Hídricos. 2016. ISSN 2318-0331. RBRH vol. 21 no. 1. Porto Alegre jan./mar. p. 36 – 45. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbrh/v21n1/2318-0331-rbrh-21-1-36.pdf. >Acesso em: 30 ago 2019.
MARTINS, D de F. M.; CHAGAS; Roberto, M., NETO; José de O. M; JÚNIOR, A. V. M. (Paraíba) (Comp.). Impactos da construção da usina hidrelétrica de Sobradinho no regime de vazões no Baixo São Francisco. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 15, n. 9, p.1-8, ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbeaa/v15n10/v15n10a09.pdf>. Acesso em: 30 ago 2019.
Layra Lima e Leidiane Cordeiro Graduandas em Economia na UEFS. Pesquisadores do RHIOS.
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