(texto em resposta ao Em questão : “Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos“)
Entre debates sobre o uso da água em relação a disponibilidade do recurso, existe a transposição da água de rios para garantir e suprir necessidades de subsistência e produção. Devido à escassez hídrica em muitas regiões a transposição dos rios é vista como uma alternativa, porém a mesma é um processo controverso que visa a alteração do percurso do rio, com um desvio total ou parcial do curso natural. São construídos sistemas de canais por onde parte da água de um rio deverá ser desviada, assim como, barragens, dragas e dutos de longo alcance. Os projetos de transposição buscam levar água a locais onde existe escassez do recurso.
O tema integra um debate relacionado às questões políticas e sociais, pois a transposição entra em contestação com o direito da propriedade. A Constituição Federal de 1988 alterou profundamente a perspectiva jurídica diante dos recursos atinentes ao meio ambiente. A Constituição passa a prever, expressamente, em seu art. 225, que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, ou seja, impregnado de interesse público e pertencente a todos. Corroborando essa ideia base, a Lei 9.433/97 que disciplina a Política Nacional de Recursos Hídricos, define a água como um bem público afirmando expressamente, já em seu art. 1º inciso I. Dessa forma, revela-se complexo fazer uma transposição quando se tem várias partes com direitos iguais, mas também considerando que algumas partes que têm pouco poder de voz, acabam sendo as quem mais se prejudicam.
Do ponto de vista social a transposição de recursos hídricos entre bacias enquanto apresenta ganhos para alguns, apresenta perdas para outros envolvidos no processo e a conciliação pela cooperação e repartição enfrente resistências de todos. Em meio a essa disputa por um maior bocado do rio está o meio ambiente como sendo o maior afetado, à medida que tiram partes o curso principal do rio para suprir outros lugares.
O impacto é por vezes muito difícil de mensurar, porém tratando-se da questão de subsistência é abstrusa a discussão. De um lado garantir a preservação do curso natural do rio e de outro a necessidade que algumas comunidades têm da água para sobreviver, e no extremo a reserva de água para as atividades de irrigação e pecuária. Entre essas últimas destacam-se as atividades de subsistência que não conseguem reduzir suas necessidades em razão do baixo grau de tecnologia empregado, sendo atividades, invariavelmente, a única forma de sustento de muitas famílias que residem às margens dos rios.
No Brasil desde sua colonização, os proprietários de grandes terras são em maioria políticos, resultando em uma divergência social para o pequeno agricultor que sobrevive da terra. Existe até hoje o poderio de grandes latifúndios na política, já que muitos políticos são donos de grandes propriedades. Tais circunstância criam obstáculos a garantida de gozo dos direitos de pequenos agricultores que enfrentam a marginalização das atividades de subsistência, os desafios para acesso ao mercado e a dependência de auxílio direto e indireto do poder público para a manutenção de suas atividades e até mesmo para uma melhor instrução sobre melhores práticas no uso de recursos, incluindo como usar o recurso da água de forma sustentável, saber reaproveitar a mesma, e formas de captação da água pluvial.
Há exposições sobre o problema da gestão do uso da água e que se mostra possíveis soluções, entretanto elas dependem da maturidade estatal e principalmente da cidadania, mas também pela importância do diálogo sobre o papel das atividades econômicas de subsistência em pequenas comunidades e na manutenção da propriedade cultural delas. Não é apenas porque essas atividades são por vezes a única forma de sustento dessas comunidades, mas porque para eles é uma questão cultural e de suma importância para a conservação de instituições familiares que são passadas por gerações. Como medidas que auxiliam na resolução desses problemas, pode-se citar o avanço tecnológico para amenizar o uso da água nas produções, evitar desperdícios no consumo familiar, nas produções industriais e no transporte da água por empresas responsáveis por sua gestão de modo a diminuir o índice de vazamentos. O tratamento de esgoto e as soluções sanitárias de purificação e reutilização da água podem ser considerados para algumas atividades produtivas na indústria e outras coisas básicas como limpezas e etc.
Dessa forma, a alternativa da transposição deve ser precedida de estudos aprofundados e amplos, sendo somente usada em último caso e em concomitância com a busca de outras soluções para regiões com escassez, pois o impacto vai para além de ambiental e atinge comunidades que nasceram e fincaram raízes às margens do rio.
Joice Cirqueira e Thalya Teles Graduandas em Economia na UEFS. Pesquisadores do RHIOS.
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