EXPANSÃO DEMOGRÁFICA E ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO SISTEMA INTEGRADO DE FEIRA DE SANTANA/BA–DEMOGRAPHIC EXPANSION AND WATER SUPPLY IN THE INTEGRATED WATER SYSTEM OF FEIRA DE SANTANA / BA

Artigo publicado na Revista Perspectivas Online: Humanas \& Sociais Aplicadas. Novembro/2020, v.10, n.29, p.34-45. ISSN: 2236-8876 (Online). https://doi.org/10.25242/8876102920201956

RESUMO

Sistemas de abastecimento de água são estruturas que integram as fontes de água, onde ocorre a captação, à rede de distribuição que serve a população. Nesse processo, vazamentos comprometem a
disponibilidade do recurso hídrico e as receitas dos prestadores, afetando a oferta de água. Paralelamente, a demanda é pressionada pela natural expansão demográfica. O presente trabalho analisa esses elementos de oferta e demanda no Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Feira de Santana, localizado no semiárido baiano. Através de hipóteses de redução nas perdas reais, são simulados cenários de demanda que consideram a projeção populacional estimada pelos órgãos estaduais de estatística para os anos de 2020, 2025 e 2030, supondo aumento e manutenção nos padrões de consumo. Os resultados evidenciam a já presente insuficiência para atendimento à população, cuja média de consumo é de 86,80 l/dia. Investimentos que reduzam as perdas reais se mostram eficientes apenas quando mantido o atual padrão de demanda, abaixo dos 110 l/dia indicado pela Organização Mundial de Saúde.

ABSTRACT

Water supply systems are structures that integrate the water sources, where the withdrawn takes place, to the distribution network that serves the population. In this process, leakages compromise the availability of water resources and the revenues of providers, affecting the supply of water. At the same time, demand is pressured by the natural demographic expansion. The present work analyzes these elements of supply and demand in the Integrated Water Supply System of Feira de Santana, located in the semiarid region of Bahia. Through hypotheses of reduction in real losses, demand scenarios are simulated considering the population projection estimated by the state agency of statistic for the years 2020, 2025 and 2030, assuming an increase and maintenance in consumption patterns. The results show the present insufficiency to serve the population, whose average consumption is 86.80 l / day. Investments that reduce real losses are only effective when the demand pattern is maintained below the 110 l/day indicated by Health Mundial Organization.

Bel. Gleice Aguiar - RHIOS,
Bel. Karine Veiga - RHIOS,
Dr. Frank Pavan de Souza - RHIOS - ISECENSA,
Dra. Telma Teixeira - Líder do grupo RHIOS

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Karine Veiga, Gleice AguiarFrank Pavan de Souza, Telma Teixeira

O ECOSSISTEMA E A GESTÃO DAS ÁGUAS

(texto em resposta ao Em questão  : “Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos“)

O ecossistema é a interação entre os seres bióticos e abióticos. Dentro desse sistema se encontra a água, um bem de uso comum necessário para a sobrevivência humana. Contudo, existem obstáculos em atender a demanda da sociedade aos usos dos rios, já que muitos deles percorrem por mais de um estado, gerando conflitos diversos entre os usuários. No processo de tomada de decisões pelos gestores muitas vezes são consideradas os aspectos econômicos e sociais em detrimento da questão ambiental, entretanto, de acordo a Constituição Federal/1988 Art.225, é dever do Poder Público, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.

A escassez hídrica costuma desencadear conflitos de uso, principalmente quando se trata de bacias hidrográficas compartilhadas (AMORIM; RIBEIRO; BRAGA, 2016). A Agência Nacional de Águas (ANA) juntamente com os órgãos gestores estaduais de recursos hídricos, buscam solucionar conflitos dessa natureza em bacias Federais através de acordos com conjuntos de regras, denominado Marco Regulatório, para evitar maiores conflitos com a utilização desse recurso. De acordo com o art. 4º da Lei nº 9.433/97 nenhum Estado deve tomar decisão unilateral que prejudique a disponibilidade hídrica nos outros Estados. Assim, os gestores de recursos hídricos que enfrentam situações semelhantes, devem analisar as situações dos demais Estados em que o rio percorre, considerando o nível da vazão e a qualidade hídrica, bem como a eficiência no uso do recurso. Continue lendo “O ECOSSISTEMA E A GESTÃO DAS ÁGUAS”

ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA E PRIORIDADES NOS USOS DA ÁGUA

(texto em resposta ao Em questão  : “Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos“)

Entre debates sobre o uso da água em relação a disponibilidade do recurso, existe a transposição da água de rios para garantir e suprir necessidades de subsistência e produção. Devido à escassez hídrica em muitas regiões a transposição dos rios é vista como uma alternativa, porém a mesma é um processo controverso que visa a alteração do percurso do rio, com um desvio total ou parcial do curso natural. São construídos sistemas de canais por onde parte da água de um rio deverá ser desviada, assim como, barragens, dragas e dutos de longo alcance. Os projetos de transposição buscam levar água a locais onde existe escassez do recurso.

O tema integra um debate relacionado às questões políticas e sociais, pois a transposição entra em contestação com o direito da propriedade. A Constituição Federal de 1988 alterou profundamente a perspectiva jurídica diante dos recursos atinentes ao meio ambiente. A Constituição passa a prever, expressamente, em seu art. 225, que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, ou seja, impregnado de interesse público e pertencente a todos. Corroborando essa ideia base, a Lei 9.433/97 que disciplina a Política Nacional de Recursos Hídricos, define a água como um bem público afirmando expressamente, já em seu art. 1º inciso I. Dessa forma, revela-se complexo fazer uma transposição quando se tem várias partes com direitos iguais, mas também considerando que algumas partes que têm pouco poder de voz, acabam sendo as quem mais se prejudicam.

Do ponto de vista social a transposição de recursos hídricos entre bacias enquanto apresenta ganhos para alguns, apresenta perdas para outros envolvidos no processo e a conciliação pela cooperação e repartição enfrente resistências de todos. Em meio a essa disputa por um maior bocado do rio está o meio ambiente como sendo o maior afetado, à medida que tiram partes o curso principal do rio para suprir outros lugares.

O impacto é por vezes muito difícil de mensurar, porém tratando-se da questão de subsistência é abstrusa a discussão. De um lado garantir a preservação do curso natural do rio e de outro a necessidade que algumas comunidades têm da água para sobreviver, e no extremo a reserva de água para as atividades de irrigação e pecuária. Entre essas últimas destacam-se as atividades de subsistência que não conseguem reduzir suas necessidades em razão do baixo grau de tecnologia empregado, sendo atividades, invariavelmente, a única forma de sustento de muitas famílias que residem às margens dos rios. Continue lendo “ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA E PRIORIDADES NOS USOS DA ÁGUA”

EFICIÊNCIA E PRIORIDADE NO USO DE ÁGUA PARA ABASTECIMENTO

(texto em resposta ao Em questão  : “Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos“)

A dominialidade dos rios interestaduais implica no interesse da população em relação ao uso e recai sobre o inciso V, Art. 1°, Lei Nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997, a qual estabelece que a gestão de recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. A saber, água é um bem público, limitado, dotado de valor econômico e disposto da seguinte forma na parte III do artigo inicial: em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação animal.

Nesse sentido, um gestor de recursos hídricos deve priorizar a manutenção à vida e tentar articular a soberania da União com as políticas interestaduais, no que tange ao interesse comum para com os recursos hídricos. Para isso também serve o comitê de bacias, onde os membros podem discorrer sobre as mais diversas situações do uso da água doce. E, para a tomada de decisões, serão consideradas as economias abastecidas pelos afluentes, os animais, a movimentação financeira regional e a preservação do ecossistema, visando resguardar o uso desta e das futuras gerações.

Em uma bacia de rios interestaduais, faz-se necessário que os gestores de recursos hídricos observem as especificidades das atividades econômicas e dos usos de cada um dos estados banhados pela bacia. Tal raciocínio é válido também para os gestores locais, evitando decisões com base em interesses unilaterais, pautadas em estudos parciais e incompletos. Tomando-se como exemplo as ações que envolvem a construção de barragens, diversos conflitos podem ocorrer, ocasionando problemas diretos e indiretos a usuários diversos e expandindo discussões e desentendimentos ao âmbito político interestadual. Continue lendo “EFICIÊNCIA E PRIORIDADE NO USO DE ÁGUA PARA ABASTECIMENTO”

Editorial: August 2019

In Sepia Tones

Road to connect Igatú (BA- August 2019)(Photo: Telma Teixeira / RHIOS)

A little over five centuries ago, the Portuguese discovered the Brazilian lands. Here, then, indigenous people used to live in harmony with the environment that provided abundance with natural resources. The technology there was underdeveloped compared to the Mayan, Inca, and Aztec people, but a natural wealth was exuberant. It was this richness and diversity that attracted the eyes of the settlers who began to explore without much effort, the value of Brazilian wood.

As the years passed by, other natural riches have been discovered. From colonial to republic times never was there a period when the Brazilian territory denied its inhabitants the necessary resources to live with abundance. As started by the settlers an economy was developed that extracted excessively, without worrying about the erosion of the ecosystem or about the necessary recovery time of nature. Continue lendo “Editorial: August 2019”

Editorial:Août 2019

De tons sépia

Route joignant Andaraí à Igatú (BA- Août 2019)(Photo: Telma Teixeira / RHIOS)

Il y a un peu plus de cinq siècles, les Portugais découvraient les terres brésiliennes. Ici vivaient alors les peuples autochtones en harmonie avec un environnement naturel qui leur offrait des ressources en abondance. Leur technologie n’était pas développée comme celle des peuples maya, inca et aztèque, mais la nature était exubérante. C’est cette nature, riche et diversifiée qui a attiré les yeux des colonisateurs qui commencèrent par exploiter sans effort le précieux “pau-brasil”.

Au fil des ans, d’autres richesses naturelles furent découvertes. De colonie en république, il n’y eut jamais une seule période où l’environnement priva le territoire brésilien et ses habitants des ressources nécessaires pour vivre dans la pléthore. L’exploitation que le colonisateur commença fut poursuivie et développée par un peuple habitué à l’extraction excessive, sans souci des impacts sur l’écosystème naturel ni du temps à sa nécessaire récupération. Continue lendo “Editorial:Août 2019”

NOTAS SOBRE A SIMULAÇÃO DA COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA PARA ABASTECIMENTO NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAGUAÇU

A água é um recurso de múltiplos usos econômicos/produtivos e essencial para a vida. Essa diversidade, por vezes revela-se como elemento gerador de conflitos agravados pela natural irregularidade na disposição quali-quantitativa da água. Em reconhecimento a sua essencialidade, a gestão dos recursos hídricos, pautada na Lei 9.433/97, busca criar ferramentas para a administração dos distintos interesses de forma a assegurar em caráter preventivo e propositivo a sustentabilidade e eficiência no uso da água.

Entre os instrumentos de gestão estabelecidos pela Lei de 1997 insere-se a cobrança pelo uso da água bruta. Sua aplicação objetiva principalmente a arrecadação de recursos financeiros que auxiliem na viabilização de melhorias ao corpo hídrico utilizado, bem como a promoção da racionalidade do uso atrelado a um valor que até então não é cobrado pela maioria dos comitês de bacias hidrográficas brasileiras.

No Brasil, até março de 2019, seis bacias Federais tinham implementado o instrumento de cobrança pelo uso da água. Como resultado a água passa a se configurar como um novo item de custo, impactando sobre seus usuários em maior ou menor grau e suscitando dúvidas quanto ao caráter público da água enquanto um bem econômico.
Continue lendo “NOTAS SOBRE A SIMULAÇÃO DA COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA PARA ABASTECIMENTO NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAGUAÇU”

NOTAS SOBRE A DEMANDA DE ÁGUA NO SISTEMA INTEGRADO DE FEIRA DE SANTANA

A água é um recurso indispensável para a sobrevivência humana e de grande importância econômica, política e social na produção de bens e serviços. No Brasil, que concentra aproximadamente 12% das reservas de água doce do planeta, a irrigação é o setor usuário de maior representatividade (72%), contrapondo-se ao saneamento, classificado como de uso prioritário, que consome apenas 10% do volume de água doce disponível, mas que ainda perde parte do recurso no processo de distribuição.

Dos 5.570 municípios no país, muitos ainda não possuem ou apresentam déficits no serviço de saneamento trazendo impactos sociais para o bem estar da população e degradando o meio ambiente. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) divulgadas pelo Instituto Trata Brasil, 83,3% dos habitantes brasileiros possuem atendimento com abastecimento de água tratada, porém os 16,7% não atendimentos representam 35 milhões de brasileiros sem acesso ao serviço. Além de uma população bastante expressiva estar exclusa do atendimento, o setor ainda precisa lidar com desafios como as perdas de água na distribuição que no ano de 2016 alcançou 38,1% como média nacional.
Continue lendo “NOTAS SOBRE A DEMANDA DE ÁGUA NO SISTEMA INTEGRADO DE FEIRA DE SANTANA”

Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos

Os rios de dominilidade da União, aqueles que atravessam mais de um Estado, carregam consigo as cicatrizes das intervenções que sofrem ao longo do curso. Tais cicatrizes são aprofundadas pelo encontro de novas intervenções e parcialmente curadas pelos afluentes em melhores condições que são encontrados. Esse “repasse” unidirecional de problemas, seguindo o curso natural do rio, resulta em conflitos diversos, por vezes de difícil solução. Roberto, gestor de recursos hídricos sabia bem disso. Como o principal responsável pela mediação de conflitos em uma Bacia de rio interestadual, sempre se dispôs a ouvir e buscar soluções conciliadoras, ponderando sobre usos múltiplos e prioritários, sem deixar de observar as necessidades do ecossistema.

Mas a crise hídrica que assolava o país não estava ajudando o Roberto e a situação agravou-se. A falta de água e o racionamento encontrava-se nos limites. O Rio Púrpura nasce no estado da Paz, onde é utilizado em um polo de irrigação de pequenos agricultores. Seguindo seu curso, passa em uma pequena parte do estado de Beleza, sendo a principal fonte de água no estado através de uma adutora que abastece também sua capital. A jusante de Beleza o rio segue entrando no estado da Harmonia com baixa vazão e qualidade comprometida.

Depois de muitos estudos, o Governador de Harmonia informou à Agência reguladora federal que precisaria captar água do Rio Púrpura para abastecer sua população. Ele apresentou relatórios de sua equipe técnica que corroboravam sua demanda, informando que o consumo per capita já tinha sido reduzido a níveis próximos do mínimo necessário e sua empresa de saneamento estava finalizando obras de contenção de perdas para evitar desperdícios. Apesar dos esforços, a falta de chuva comprometia os reservatórios e deixava boa parte do estado em situação de criticidade.

O governador do estado da Paz noticiou a necessidade de construção de uma barragem para reservar água para as atividades de irrigação e pecuária em padrões de agricultura familiar que usavam água do Rio Púrpura.

Diante das notícias que poderiam implicar em agravamento da crise que também assolava o estado da Beleza, o Governador buscou informações junto aos seus técnicos para fundamentar as discussões de forma a garantir o abastecimento também para a população de Beleza. Os resultados indicavam elevado consumo per capita e perdas na distribuição e no faturamento em índices alarmantes. Contudo, a captação indireta, via transposição, das águas do Rio Púrpura era a única fonte de água disponível.

Ao receber as demandas e os respectivos relatórios, Roberto percebeu-se em situação bem complicada. Para Paz a demanda tratava-se de uso em volumes individualmente considerados como pouco representativos mas que mudavam de categoria quando considerada a barragem. Por outro lado, o não atendimento comprometeria a agricultura familiar da região do Estado, reduzindo significativamente suas possibilidades de geração de renda. Em Beleza e Harmonia a problemática envolvia o abastecimento humano, uso definido como prioritário pela Lei, mas em situações distintas. Enquanto Beleza era perdulária no uso de sua única fonte, Harmonia já estava no limite da eficiência no uso em suas demais fontes, requerendo de forma inédita outorga para captação no Rio Púrpura.

De forma a estabelecer a argumentação para mediação das questões Roberto elencou os seguintes pontos:

  • A eficiência ou ineficiência da prestadora deve ser parâmetro para decisões que podem impactar sobre direitos básicos da população?
  • As atividades econômicas de subsistência, consideradas fontes de renda única e de baixo valor, são menos relevantes?
  • Como inserir o ecossistema, também impactado pela escassez, nas decisões?

Os conflitos pelo uso da água envolvem atores distintos em contextos que também se diferenciam. Prioridade, eficiência, geração de renda são alguns dos diversos elementos que permeiam as discussões. As soluções não são simples, mas devem ser buscadas considerando os seus impactos sobre o bem estar da sociedade de forma sustentável, o que implica em observar também o estresse ambiental do contexto. Esse pequeno texto levanta alguns elementos e instiga a reflexão.

Telma Teixeira - RHIOS 
 Agosto de 2019

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