(texto em resposta ao Em questão : “Conflitos em Bacias: prioridades, eficiência e usos múltiplos“)
A dominialidade dos rios interestaduais implica no interesse da população em relação ao uso e recai sobre o inciso V, Art. 1°, Lei Nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997, a qual estabelece que a gestão de recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. A saber, água é um bem público, limitado, dotado de valor econômico e disposto da seguinte forma na parte III do artigo inicial: em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação animal.
Nesse sentido, um gestor de recursos hídricos deve priorizar a manutenção à vida e tentar articular a soberania da União com as políticas interestaduais, no que tange ao interesse comum para com os recursos hídricos. Para isso também serve o comitê de bacias, onde os membros podem discorrer sobre as mais diversas situações do uso da água doce. E, para a tomada de decisões, serão consideradas as economias abastecidas pelos afluentes, os animais, a movimentação financeira regional e a preservação do ecossistema, visando resguardar o uso desta e das futuras gerações.
Em uma bacia de rios interestaduais, faz-se necessário que os gestores de recursos hídricos observem as especificidades das atividades econômicas e dos usos de cada um dos estados banhados pela bacia. Tal raciocínio é válido também para os gestores locais, evitando decisões com base em interesses unilaterais, pautadas em estudos parciais e incompletos. Tomando-se como exemplo as ações que envolvem a construção de barragens, diversos conflitos podem ocorrer, ocasionando problemas diretos e indiretos a usuários diversos e expandindo discussões e desentendimentos ao âmbito político interestadual.
O comitê de bacias hidrográficas é de fundamental importância para mediar situações conflitantes, visto que nas suas competências está habilitado a vetar o gerenciamento de água isolado feito por municípios ou estados. Conforme a Lei Nº 3.239/99, tais circunstâncias serão discutidas no âmbito da política estadual de recursos hídricos, através do parlamento das águas. Por sua vez, este órgão colegiado deve verificar relatórios técnicos da demanda hídrica das localidades, através dos quais poderá emitir os seus próprios pareceres considerando, dentre outras coisas, a vazão hídrica, o consumo per capta e o nível dos reservatórios de cada região.
Os estados que recebem a passagem dos rios são responsáveis pela captação do recurso hídrico que irá abastecer suas principais cidades. Em caso de captação indireta (situação conflitante) detectada, esta deve ser demonstrada no estudo técnico regional, feito para reafirmar a necessidade de interceptação das águas, e soluções devem ser estudadas para sanar problemas de impacto ambiental. O impasse pode começar a ser resolvido com a conscientização do uso por pessoa e contenção das perdas de distribuição, uma vez que o que se perde em uma região pode deixar de chegar a outra.
A problemática não implica em menor importância da demanda agrária que utiliza 70% de toda a água consumida no mundo ou na produção industrial responsável por 22% do consumo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Ela demonstra que existem índices de perda a serem solucionados pelos estados e não só pelas famílias e comércio (8\% de toda a utilização hídrica), mas pelos setores primário e secundário da economia também. Tais dados expõem que todos os setores devem racionalizar o uso de água potável, inclusive os de menor índice, como o uso doméstico. Portanto, cabe aos gestores estaduais e de recursos hídricos o estudo sobre o represamento das águas, a perda delas e deve-se estabelecer políticas eficazes sobre contenção de prejuízos/desperdícios na captação/distribuição hídrica.
Por fim, percebe-se que em se tratando de usuários do saneamento, a eficiência da prestadora de serviços impacta diretamente nos direitos da população sobre o bem público e adentra a questão da eficácia de gestão do setor. Sendo a controladora dos serviços, cabe a ela apresentar cenários que viabilizem aos estados a melhor forma de captação, conforme suas necessidades e disponibilidade do manancial. Contudo, as necessidades básicas dos indivíduos e dos animais devem prevalecer sobre questões de irrigação ou construção de barragem.
Everton Medeiros e Dion Coelho Graduandos em Economia na UEFS. Pesquisadores do RHIOS.
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