Em tons de sépia
Pouco mais de cinco séculos atrás os portugueses encontraram as terras brasileiras. Aqui então viviam povos indígenas em harmonia com o meio ambiente que lhes provia de forma abundante com recursos naturais. A tecnologia era pouco desenvolvida quando comparada aos povos maias, incas e astecas, mas a riqueza natural era exuberante. Foi essa a riqueza e sua diversidade que atraiu os olhares dos colonizadores que passaram inicialmente a explorar, sem muitos esforços, o valioso pau-brasil.
Com o passar dos anos, outras riquezas naturais foram descobertas. De colônia à república nunca houve um só período onde o meio ambiente negasse ao território brasileiro e seus habitantes os recursos necessários para viver com fartura. E como então iniciado pelos colonizadores, desenvolveu-se no país um povo habituado a extração de forma desmedida, sem preocupação quanto ao desgaste do ecossistema ou com o necessário tempo de recuperação da natureza.
Petróleo, diamante, gás natural, ouro, prata, vanádio, nióbio, urânio e muita água e terra fértil. Mais do que o celeiro do mundo, produtor de 90% da proteína animal comercializada no mercado internacional, o Brasil fornece sementes, minérios, minerais e recursos hídricos embutidos nas principais commodities exportadas.
Paradoxalmente esse mesmo país deixa mais de 35 milhões de habitantes sem água tratada e outros 100 milhões sem acesso ao esgotamento sanitário, comprometendo a saúde da população e degradando os corpos hídricos . Os índices de desempenho educacional são pífios, mas a média de celulares por habitante é superior a 1 e as tecnologias do agronegócio são de ponta. A agricultura comemora safras recordes enquanto o IBGE divulga que mais de 25% da população é constituída por pessoas pobres que sobrevivem com menos de $6,0 dólares ao dia. A marca de povo receptivo e alegre contrasta com os resultados da pesquisa Datafolha que indicam que mais de 40% a população adulta gostaria de sair do país. Entre os jovens de 16 a 24 anos esse percentual supera os 60%.
As contradições evidenciam erros diversos que não se restringem a governos do novo século ou a correntes de pensamento específicas, visto que iniciaram-se séculos atrás, como um pequeno movimento de águas que se transforma em grandes ondas não mais navegáveis. Contudo, desmantelar as estruturas institucionais e legais que ainda persistem certamente agravará a situação, promovendo uma degradação em níveis acelerados e ainda mais alarmantes. A política ambiental é uma política de vida da atual e futuras gerações e não deve se submeter a ilusórios ganhos financeiros temporários e concentrados nas mãos de poucos. Tampouco deve se enclausurar o conhecimento nos domínios acadêmicos sem que governos, sociedade e empresas possam contribuir, criticar e avaliar. Entre ciência e cultura, academia e sociedade, políticas públicas e partidos não deve haver níveis de hierarquia, mas elos de cooperação. O discurso de sustentabilidade não mais está pautado na sobrevivência dos que virão, mas sim daqueles que já estão, pois as mudanças já impactam no dia a dia. O futuro tornou-se presente e ele tem tons de sépia.
Telma Teixeira. RHIOS Agosto 2019
Leia outros textos de Telma Teixeira