Editorial Setembro 2017

Uma Outra Primavera

O Rio Doce atravessa dois estados do Brasil, Minas Gerais e Espírito Santo. 850 km de rios intoxicados e destruidos totalmente pelas lamas da mineradora SAMARCO em 2015. (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Em setembro de 1962 Rachel Carson publicou o clássico e revolucionário Primavera Silenciosa denunciando o indiscriminado uso de pesticidas e seus efeitos sobre a natureza e seres humanos. O adjetivo clássico atribuído a sua obra decorre da inevitável referência que é feita a mesma quando dos estudos relacionados a impactos da ação humana sobre a natureza. Por sua vez, o caráter revolucionário da obra advém do seu papel fundamental para a proibição do uso do dicloro-difenil-tricloroetano (DDT) e outros pesticidas, e surgimento do movimento ambientalista e instituições de proteção ambiental nos EUA.

A obra seminal de Carson foi aplaudida como uma profunda reportagem investigativa expondo de forma minuciosa os efeitos imediatos e hereditários dos pesticidas. As taxas de absorção e níveis de acumulação, diferentes entre as espécies animais e vegetais, propiciavam a propagação dos efeitos na cadeia alimentar e a possível herança genética. Esses elementos, ricamente apontados por Carson, seriam os causadores da extinção ou morte de diversas aves ocasionando assim o silêncio primaveril.

As discussões travadas sobre o assunto resultaram na proibição gradativa do uso do DDT em diversos países a partir dos anos 70. No Brasil o banimento do DDT foi gradativo, iniciando-se em 1971, com registro da última compra em 1991 e proibição completa apenas em 2009.

55 anos após a Primavera Silenciosa os dilemas relacionados a relação homem – natureza continuam produzindo discussões. Contudo, observa-se que o silêncio é gradativamente substituído pelo som da fúria dos ventos e dos mares, pelo sussurro da poluição atmosférica, pelo zumbido de insetos cada vez mais resistentes aos venenos químicos popularmente utilizados, pelo gemido agonizante de espécies ameaçadas de extinção e pelas vozes desconexas de políticos e cidadãos comuns, ambientalistas ou não. As inúmeras e inegáveis transformações de intensidade dos eventos climáticos são interpretados de forma contraditória por distintos grupos. Alguns observam tais eventos como decorrentes da exploração desenfreada e desequilibrada dos recursos naturais e buscam assim soluções cooperadas entre países para minimizar os impactos das atividades humanas, garantindo uma vida mais segura e confortável para as futuras gerações. Outros, observam os mesmos eventos como naturais e inevitáveis, indispondo-se a adotar medidas que possam interferir negativamente no desempenho econômico. Paradoxalmente, são também os aspectos econômicos os mais dissonantes e contraditórios.

Em 1º de junho os EUA anuncia seu rompimento com o Acordo de Paris, construído após longas negociações entre diversos países que finalmente reconheceram a necessidade de compromissos próprios em prol de um bem comum: assegurar um menor aumento da temperatura global. Poucos meses depois o país é vítima de furacões que geraram custos de centenas de milhares de dólares.

Por sua vez o Brasil, signatário do mesmo Acordo de Paris é advertido pela Noruega quanto a ineficiência da sua política ambiental e descuido quanto ao desmatamento, resultando em corte de 50% dos recursos noruegueses destinados ao Fundo da Amazônia. Uma redução de quase R$200 milhões. A despeito da perda de recursos, menos de um trimestre depois é anunciada a extinção de uma reserva ambiental de tamanho próximo ao do estado do Espírito Santo, situada na mesma Amazônia, liberando a área para exploração mineral que certamente acarretará desequilíbrio demográfico, poluição hídrica e desmatamento, entre outros nocivos impactos ambientais.

E assim, próximo ao aniversário de 2 anos do funesto crime ambiental ocorrido no Rio Doce, perpetrado pela SAMARCO mineradora, esperamos mais uma primavera. Contudo, observa-se que não é a natureza quem silencia, mas é a humanidade que se faz de surda diante dos seus gritos, gemidos e lamentos.(acesso ao texto em pdf)

Telma Teixeira.
RHIOS
Setembro 2017

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